COMÉRCIO INTERNACIONAL
Barreiras comerciais de Trump até podem beneficiar Portugal
Modelo de cálculo do impacto das taxas alfandegárias apresentado pelo francês Thierry Mayer aponta que terceirização favorece fábrica portuguesa da Volkswagen. Pior seria o efeito de um "hard Brexit".
ANIA ATAIDE
As taxas alfandegárias voltaram a entrar no centro do debate do comércio transatlântico, à boleia da administração Trump, mas Portugal pode sair beneficiado. É a conclusão de Thierry Mayer, especialista em comércio internacional, a partir de um modelo sobre a integração e disrupção do comércio na indústria automóvel mundial.
Em entrevista ao Jornal Económico, à margem do 8o Congresso Nacional dos Economistas, organizado pela Ordem dos Economistas, em Lisboa, o académico francês, reconhecido pelos estudos sobre o impacto do aumento das taxas alfandegárias na economia, alerta para as consequências negativas desta dimensão no sistema de comércio multilateral, mas considera que Portugal não será dos países mais afetados.
"Com base na secção 232 [lei que autoriza o presidente dos Estados Unidos a ajustar a importação de bens de outros países, através de taxas alfandegárias ou outros instrumentos, se constituir uma ameaça à segurança nacional], as ameaças de Donald Trump sobre a importação de carros europeus significam um aumento de taxas para toda a União Europeia, incluindo Portugal", realça Thierry Mayer.
No entanto, com base no modelo de simulação, que considera que a fábrica da Volkswagen em Portugal vende cerca de 100 mil carros por ano, a decisão do presidente norte-americano iria permitir um ganho de "quase cinco por cento para Portugal". "Aumenta a parcicipação de mercado da Volkswagen na Europa, uma vez que as fábricas da BMW e da Mercedes- -Benz nos Estados Unidos são prejudicadas pela retaliação. A terceirização favorece Portugal", explica.
O economista francês sublinha que, apesar do peso da produção automóvel em Portugal, o país "não exporta muito para os Estados Unidos", pelo que o impacto seria sobretudo indireto. "Prejudicará as diferentes alternativas para Portugal. Vai prejudicar a Alemanha como base, que exporta muitos carros para os EUA", disse.
Mas se a ameaça de Trump até pode significar ganhos na produção em Portugal, o cenário é diferente quando falamos no Reino Unido. Em caso de hard Brexit, a adoção de taxas alfandegárias de 10% sobre produtos da União Europeia teria um impacto negativo de 1,2% para Portugal. A Volkswagen teria perdas de 20% de quota de mercado no Reino Unido, com "perdas significativas para a unidade de produção portuguesa".
Já no caso de um Brexit com acordo, e "em que grandes exportações de unidades de produção mexicanas e sul-africanas são cortadas", Portugal poderia registar "pequenos ganhos na produção". Trump and Brexit estão a mudar o sistema multilateral Independentemente do impacto para Portugal, Mayer não tem dúvidas: as políticas da administração Trump e o Brexit estão a mudar o comércio internacional e não se pode excluir da equação que este possa "entrar em colapso".
"Trump e o Brexit] estão certamente a tornar a política do comércio internacional mais interessante do que costumava ser", refere. "Entrámos numa era em que parece que a integração comercial não será simplesmente para sempre, como parecia ser. Traz de volta a noção de que existem várias dimensões da globalização".
Para o especialista em comércio internacional, os dois fenómenos representam sobretudo na percepção pelos decisores políticos de que "a política comercial não é para sempre, pode ser revertida e pode sê-lo muito facilmente".
No entanto, reconhece ser "muito difícil" saber o que vai na mente do norte-americano. "Não acho que seja uma mudança escolhida no sentido de algo estratégico", realça. "Se olharmos para o discurso de Trump, antes e depois, vemos que este governo não acredita no sistema multilateral. Prefere negociações fora desse sistema".
Questionado sobre as consequências para a economia global, Mayer salienta que "existe um risco muito forte de que o sistema multilateral de comércio entre em colapso". "No sentido de que a OMC e outros fóruns multilaterais para discussões não são mais usados", aponta. "Não é impossível que o sistema entre em colapso por causa de Trump. Vamos ver o quão resiliente é".
O economista diz ainda que as consequências imediatas seriam sobretudo para os consumidores, com um aumento dos preços, mas a longo prazo também a eficiência e produtividade global sairiam afetadas.
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